Cearense de boa cepa, dona Antônia teve passagem meteórica por Belém do Pará. Finalmente, lançou âncoras no Rio de Janeiro, mais precisamente em Jacarepaguá, ou “Jacaré”, como dizem os locais. Na casa ampla, com lucidez, força física e espiritual, comandava o clã formado pela nora viúva, os netos, bisnetos e agregados. O filho Francisco encomendou uma bonita festa para comemorar o aniversário de 90 anos da mãe, que ocorreria no dia de São Pedro. Como deveria ser um evento especial, foi esperado com muita ansiedade.

Finalmente, chegou o dia 29 de junho! Lá fomos nós rumo a Jacaré, para o abraço e a festa. Noite estrelada, olhos grudados no céu e o espanto pela quantidade de balões em variada coleção de formas e ornamentos. Balões coloridos, quadrados, com lanternas, sem lanternas, balões estrelas, tangerinas, charutos. Coronel Caruso não se conformava:

       – Parece incrível! Que falta de responsabilidade! O governo gasta um dinheirão em campanhas educativas e o povo não entende. Há necessidade de enérgica e radical providência. Balão no céu é perigo na Terra!

       Todos concordaram, afinal, ninguém ousaria contradizer tão ilustre representante das nossas Forças Armadas.

       Protestos lançados, chegamos a Jacarepaguá. Bandeiras, rojões, fósforos de cor, chuva de prata, fogueira, batata-doce, quentão e variados doces caipiras. Ao lado da casa, num terreno baldio, uma grande armação de bambu mantinha-se apoiada sobre caibros fincados em latas de cimento. Por todos os compartimentos da casa, lanternas coloridas e empilhadas atravancavam a passagem. Coisa nunca vista! Intrigados, perguntamos.

       – É pra pendurar na Mônica – respondeu Orlandinho, ajeitando o gorro preto e branco, que insistia em escorregar da cabeça.

       Vem o Maurício gritando:

       – Olha lá o Popeye!

       Corremos para o jardim. Vimos um Popeye enorme, iluminado, o braço forte pelo espinafre consumido, segurando o tradicional cachimbo. Uma verdadeira obra de arte, rendendo sua homenagem a São Pedro. Todos de olhos fixos e lá vai ele percorrendo a estrada que o levará para perto das estrelas. Sabia que estava sendo admirado, pois, com uma avalanche de fogos de artifício, enfeitou o marinho da noite. Popeye – um lindo e colorido balão.

       Mais adiante, cortando o espaço, majestosa Madona embalava o Menino Jesus e seguia tranquila, indiferente à imensa cruz que a acompanhava a distância, na mesma cadência. Na santidade do tema cristão, a comprovação da alegria que impera nas festas que reverenciam os homenageados de junho: Antônio, João e Pedro.

E foi no aniversário de dona Antônia que recebemos uma original aula de arte, perícia, habilidade e paciência.

Na frente da casa, pequenos balões eram lançados sob o comando de Orlandinho. Participavam do ritual apenas os 25 “baloneiros”, que usavam um gorro de lã preta e branca e foram habilmente treinados. Só eles estavam autorizados a atuar na soltura do balão. Um leigo, sem a perícia necessária, numa fração de segundo poderia destruir o trabalho de várias semanas.

       Uma montanha branca tomava conta da garagem. Quatrocentas e cinquenta folhas de papel de seda, artisticamente coladas, davam forma ao balão que deveria cumprir a missão de carregar e transportar a Mônica.

       – E o perigo de incêndio?

       Orlandinho assegurou que era quase nulo. Aquela tocha fixa, boca escancarada e flamejante, já não existe mais. Cedeu lugar a um grande, firme e forte cesto de arame, onde são empilhadas de forma especial e cruzadas as buchas de estopa e breu. No caso de o balão incendiar-se no ar, o cesto vira, as buchas espalham-se e, caindo isoladas, não oferecerão perigo. Normalmente, por força da velocidade na queda, chegam ao solo apagadas. Duas cordas presas a esse cesto sustentam a estrutura de bambu que reproduz a figura pretendida. É nessa estrutura que são fixadas as inúmeras lanternas com diferentes cores. Pequenas velas acesas no interior das lanternas concedem a luminosidade e o contraste de contornos.

       Condição indispensável para o êxito no lançamento do balão: o cálculo preciso da direção e velocidade do vento. O menor erro poderá determinar a virada e queima do balão no chão mesmo, destruindo estruturas e lanternas.

       Com todas essas explicações, estávamos ansiosos. Queríamos ver a Mônica alegre e traquinas desprender-se dos caibros e, com a inseparável bolsinha, ir correndo atrás do Popeye. Ou então, quem sabe, ir à procura da suave Madona e pedir licença para brincar com o Jesus Menino.

       – O vento está muito forte – diz Orlandinho.

       Espera de uma, duas, três horas. Ansiedade, expectativa. O chefe dos baloneiros foi categórico:

       – Hoje a Mônica não sobe. É melhor desistir e deixar para amanhã, lá no Chapadão, quando será realizado o Campeonato de Balões Artísticos de Jacarepaguá.

       Desalento geral. Pelo adiantado da hora, todos nós decidimos voltar para o Rio, tristes pela peça que o vento nos pregou. Todos nós, não! Coronel Caruso ficou.

Esqueceu governo, campanhas educativas, perigo de incêndio e falta de responsabilidade. No dia seguinte iria ao Chapadão para assistir ao concurso dos balões de Jacaré e aproveitaria o tempo para discutir com Orlandinho os planos para a realização de um bem-elaborado Campeonato Nacional de Balões Artísticos.

                                                                                                                                                                                                             São Paulo, 29 de junho de 2021.